A propósito do Luís
Se a Malásia é uma fusão de
mundos na Ásia, conjugando as raízes malaias (semelhantes às da Indonésia) com
fortes minorias chinesas e indianas, a ilha de Pulau Pinang (ou Penang), no
norte da península, é o epicentro desta mistura de culturas e um dos principais
polos industriais do país. Navegar nas ruas da capital, Georgetown, é mergulhar
numa enorme mistura de sabores, cheiros e religiões desses três mundos e ao
mesmo tempo vislumbrar os vestígios de um passado colonial em suave decadência
debaixo do calor tropical. A noite é dominada pelo espírito boêmio da
comunidade chinesa que comemora tudo, desde o novo ano chinês, passando pelo
Natal em que a passagem do dia 24 para o dia 25 de Dezembro é vivida ao ritmo
de uma contagem decrescente estilo ano novo com direito a fogo de artifício à
meia noite e tudo. E chegamos ao Paradise Food Court, bem no centro de
Georgetown, que é algo a meio caminho entre uma feira popular e um daqueles
bailes dos bombeiros na província, pleno de pequenas bancas de comida e com show
de cantores chineses que se revezam toda a noite (e com direito a show de
travestis em alguns dias da semana). Dois brancos se destacam neste pequeno
mundo que, se Emir Kusturica fosse chinês, já tinha sido passado a filme de
cinema. O Anthony Bourdain que sorri nas fotos expostas em boa parte da bancas
e que é usado à exaustão como atestado de qualidade das iguarias em face do esgar
desconfiado do turista, e o Luís. Com a sua banca vendendo bifanas, pregos e
outras iguarias lusitanas, o Luís, chegado há quatro meses ao país, é um
exemplo vivo da nossa capacidade como povo em chegar a sítios improváveis,
integrar-nos localmente e tentar a nossa sorte. Passada a surpresa de ver o
casal de “brancos” atrás do fogão, “então ver a minha mulher a trabalhar foi um
choque” diz o Luís que se ri quando conta como havia chineses que iam à banca
apenas para os observar a cozinhar, o respeito dos concorrentes do Food Court foi
hoje ganho e com as devidas adaptações ao gosto local, “tudo tem de ter um
pouco de doce e de picante”, a venda vai de vento em popa, tanto que o Luís já
se sente confiante em abrir um restaurante propriamente dito ao mesmo tempo que
aprende Mandarim.
Not lost in translation...
Mas a história do Luís dá que
pensar. Que como numa Europa em crise, pouco se fala da necessidade de melhorar
a mobilidade das pessoas no espaço europeu e de terminar a construção do
mercado único com uma verdadeira liberalização do setor dos serviços (e não a
diretiva “meia-dose” aprovada em 2006), algo que seria um importante estímulo a
países como Portugal. Infelizmente um dos fatores que mais contribui para o
deficiente funcionamento da União Monetária não é só a inexistência de uma
política orçamental comum, mas a falta de mobilidade intra-europeia do fator
trabalho por razões legais, mas também culturais (ir de Portugal para a
Alemanha não é a mesma coisa que deixar o Alabama e chegar à Califórnia) e
econômicas, onde a elevada percentagem de posse de casa própria se destaca como
fator restritivo. Mas o exemplo do Luís mostra também que na decisão de
emigração ou de internacionalização das empresas, a redução das opções aos
mercados e países da mesma herança cultural limita sem necessidade as
possibilidades de sucesso. Vezes sem fim na minha carreira, falando com
empresas portuguesas (e devo dizer também brasileiras) sempre vi expostas as
mesmas prioridades e o mesmo racional. Não que ir para Angola, Moçambique ou
Brasil seja em si mesmo necessariamente uma má opção. Mas pode apenas não ser a
melhor. Temos um caso singular, aliás, no mundo empresarial português onde uma
internacionalização fora dos mercados tradicionalmente priorizados tem
conhecido grande sucesso como é o caso da Jerónimo Martins e a sua experiência
polaca, sendo que agora a empresa escolheu a Colômbia em detrimento do Brasil
como novo mercado para a empresa. Aliás, e apenas como curiosidade, o mercado
que quase levou a empresa à falência no final dos anos 90 foi precisamente o
brasileiro.
A outra questão tem também a ver
com o modo como a internacionalização é feita. Para ser bem sucedida, entre
outros fatores, ela normalmente requer um envolvimento profundo da direção da
empresa, um processo dividido em fases de forma a reduzir o consumo de recursos
financeiros e para melhor adequar os produtos ou serviços aos requisitos e
preferências locais e a escolha dos gestores certos para liderar a empresa
localmente. Na minha experiência, foi,
aliás, este último fator que mais vezes vi como responsável do insucesso de um
processo de internacionalização. Desde aquele capítulo de alguns manuais de RH
das empresas intitulado “quando não sabes o que fazer com o quadro envia-o para
longe”, que normalmente traz maus resultados porque o profissional que não tem
sucesso no mercado doméstico também não o terá no estrangeiro. Novos mercados
requerem os melhores quadros à frente do negócio. Mas para enviar os melhores gestores
para o estrangeiro, não é só necessário providenciar as necessárias condições
econômicas durante a sua estadia (o que é óbvio), mas a forma como a
organização integra essa experiência no plano de carreira. Ou seja, quais as
condições de regresso do quadro (o que já não é de todo óbvio). Muitos
profissionais de grande valor e ambição hesitam em ser mandados para o
exterior, pois temem o período em que ficam fora do centro de poder da empresa e
logo de decisões de promoção e de avanço na carreira. Isto sem falar nos
profissionais contratados localmente desligados de qualquer ligação à cultura
de empresa. O caso mais notável de sucesso que vi na gestão desta problemática,
e com tanto mais valor dado tratar-se de uma empresa familiar, é o Grupo
Odebrecht que com sucesso se tem expandido no mundo mantendo intacta a sua
cultura empresarial.
Regressando ao Luís, apenas um desejo.
Forte sucesso em Penang.
Publicado no Jornal Público de 20/01/13