Wednesday, November 21, 2012

Crise e oportunidade

Na esteira de uma crise existem sempre oportunidades. Para Portugal e para parte da Europa esta máxima aplica-se também, por muito que as notícias de hoje possam traçar um quadro negro da realidade. De forma resumida, e pegando nos três países que já pediram ajuda ao FMI e à União Européia pode-se dizer que a Grécia sofre de um grave problema de dívida pública, a Irlanda do afundamento do seu sistema financeiro e Portugal de uma ausência de crescimento econômico que afeta a sua economia nos últimos 10 anos e que torna qualquer dívida num fardo insustentável. É por isso inevitável que o pacote de ajuda do FMI e da União Européia passe por medidas que possam levantar o potencial de crescimento econômico de Portugal. Liberalização do mercado de trabalho, privatizações, levantamento de restrições em vários setores da economia estarão inevitavelmente no topo da lista.
Para o Brasil e para as suas empresas esta pode ser uma oportunidade estratégica e de grande interesse, sobretudo no quadro da expansão internacional do seu tecido corporativo. Não que Portugal seja uma porta de entrada decisiva para a Europa já que o interesse internacional sobre o Brasil dá ao país vários caminhos à sua presença neste continente, mas como pivot da internacionalização das suas empresas nomeadamente para África.  Hoje as empresas brasileiras, pela primeira vez na sua história, são obrigadas a abraçar o caminho da internacionalização como forma de manter a sua posição em setores fundamentais da sua economia como é o caso da indústria de base e dos recursos naturais. E são obrigadas a fazê-lo num quadro de grande exigência da demanda doméstica cujo maior reflexo é talvez a escassez de quadros qualificados. É aí que Portugal e as oportunidades de aquisição de empresas que o atual momento do país propicia podem jogar um papel na criação do “Brasil Inc”. Com um pool de quadros qualificados, boas infra-estruturas, empresas com experiência e DNA internacional, nomeadamente na África de língua portuguesa, Portugal pode ser um acelerador na internacionalização das empresas brasileiras. É aí que a proximidade cultural e partilha da língua podem ser transformados de um clichê na boca dos políticos para uma verdadeira vantagem competitiva no mundo global de hoje.
Para os dois países, o triângulo América do Sul, Europa, África é o espaço onde se joga uma parte do seu futuro econômico. Para o Brasil, porque sem uma presença importante em África, o seu papel de principal fornecedor de matérias-primas que alimentam o crescimento Asiático e sobretudo chinês, poderá vir a ser ameaçado dada a riqueza de  recursos naturais deste continente e a sua maior proximidade geográfica aos mercados consumidores asiáticos. Os investimentos da Vale do Rio Doce em África devem ser vistos à luz desta perspectiva. Mas não só. Setores importantes da economia brasileira como o agronegócio, etanol e petróleo podem beneficiar de forma decisiva duma presença significativa neste continente. Basta por exemplo pensar nas semelhanças que existem na exploração de petróleo entre Angola e Brasil e o que isso significa para as empresas brasileiras do setor em termos do seu mercado potencial. Para Portugal porque isso significa ter uma presença importante num dos espaços de dinamismo econômico do século XXI. Portugal carece hoje de capital que permita alavancar a sua posição privilegiada em mercados de elevado potencial como é o caso da África. A existência de um elevado nível de endividamento quer do Estado quer das empresas portuguesas dão às empresas brasileiras oportunidades de investimento extremamente interessantes para além de reforçarem o seu acesso a fontes de financiamento européias que permitam, por exemplo, aliviar o esforço do BNDES no apoio à internacionalização das empresas brasileiras. Por outro lado, as empresas portuguesas beneficiarão não só do aporte de capital dos sócios brasileiros, mas da integração da sua presença internacional nos fluxos comerciais com o Extremo Oriente e sobretudo com a China. Por exemplo, para bancos portugueses com presença na Ásia pensar a sua atividade em termos do fluxo comercial Portugal/China ou Portugal+Brasil+África/China tem um potencial totalmente diferente.
Uma boa oportunidade nada mais é que um cruzamento entre necessidades e circunstâncias favoráveis. Temos isso hoje no momento que Brasil e Portugal enfrentam. O primeiro buscando a realização da sua promessa tanta vezes adiada e a sua afirmação como uma das principais potências econômicas do século XXI. Precisa, para além de um esforço de investimento doméstico significativo, assumir uma presença global ao nível das suas empresas à semelhança do que fazem China e Índia. Portugal procurando encontrar uma base de dinamismo econômico que permita alavancar o enorme esforço realizado nas últimas décadas no sentido de dotar o país de infra-estruturas físicas e humanas de qualidade e dotar o país de um business plan promissor.
Necessidade e circunstâncias favoráveis. A oportunidade existe. Saberemos aproveitá-la?

Valor Econômico, 05/05/2011
  

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