Visto de um Portugal depressivo e em crise de confiança, o Brasil parece ser hoje a miragem da terra prometida. Os Estados Unidos do mundo da língua portuguesa, finalmente concretizando a sua promessa sempre adiada de prosperidade, substituindo o querer pelo fazer e dando a si próprio e ao resto do mundo a sua própria versão do sonho americano. É sobre este signo que se iniciaram este mês as comemorações do ano de Portugal no Brasil, em que o primeiro vê o segundo como um "canivete suíço" económico quase milagroso. Como o mercado para a suas exportações, a solução para a venda das suas empresas e a porta de colocação dos seus quadros.
Se olharmos para a história recente dos dois países, o momento atual representa uma inversão extraordinária daquilo que se passou na segunda metade dos anos 90. Aí os dois países se olhavam de uma maneira completamente diferente. Portugal estava no seu momento "Escandinávia", com as fichas todas colocadas na Europa e a convição que se tinha colocado definitivamente na primeira divisão do Continente e o Brasil vivia a realidade da montanha russa que sempre caracterizou o país sem ainda ter tomado consciência de como o consulado de Fernando Henrique Cardoso iria alterar o rumo da nação. O início da emigração brasileira para Portugal e a tomada de posições significativas no mercado brasileiro das maiores empresas portuguesas pareciam confirmar como definitiva esta percepção de ambos os lados do Atlântico.
Só que nem a realidade dos anos 90 se prolongou muito no tempo, nem o atual momento de Portugal é eterno. Aliás, os próprios brasileiros são os primeiros céticos do seu próprio sucesso, vacinados que estão pela história do país, como, pelo mesmo conjunto de razões, nos olham com um misto de estupefação e incredulidade por acharmos que o mundo está a acabar quando temos uma boa qualidade de vida, segurança, transportes públicos que funcionam, segurança social, etc...
Assim, olhar para o ano de Portugal no Brasil, e para as suas relações económicas, submergido pela espuma do atual momento dos dois países é capaz de não ser a atitude mais aconselhável nem a mais proveitosa. Partindo de fatos, existem, porém algumas certezas. A primeira é que a ascendência do Brasil a um patamar compatível com a sua dimensão é uma certeza. Isso não quer dizer, contudo, que o país será um país desenvolvido ou rico no longo prazo. O Brasil, à semelhança dos outros grandes países emergentes, enfrenta nas próximas, eu diria duas décadas, o desafio de enriquecer antes de envelhecer ou envelhecer antes de enriquecer. O Brasil vive na plenitude o seu bónus demográfico, e este tem sido ao longo da história, um dos grandes fatores explicativos de um crescimento económico de um país acima da sua média de longo prazo. Foi assim na Europa e Estados Unidos do pós II Guerra Mundial e na China dos últimos 20 anos. Brasil e Índia estão agora a começar a utilizar este poderoso ingrediente do crescimento económico. É mais fácil imaginar este processo como um surfista que apanhou uma onda poderosa. Se chega ou não à praia é uma pergunta que só terá resposta daqui a alguns anos. Assim, não, o momento do Brasil não é fugaz nem vai terminar amanhã, mas tampouco é definitivo e eterno. Por outro lado, à semelhança da China, Índia, Turquia e Indonésia (não, não acredito na Rússia como ator de futuro), para citar os mais importantes, o Brasil vai ser um ator importante da cena política internacional desempenhando um papel regional e global condizente com a sua dimensão continental e com um novo equilíbrio internacional que terá necessariamente de ser desenhado na sequência do declínio relativo de Europa e Estados Unidos. Isso demorará algum tempo, até porque o Brasil terá ainda de se libertar de alguns mitos fundadores da sua política externa ainda muito ligada ao movimento dos não alinhados e a uma cosmologia dos anos 60, e também avançar na internacionalização da sua economia e das suas empresas. Estes passos estão a ser dados, mas como é natural demoram tempo a ocorrer.
E é precisamente nesta transformação do Brasil como ator global que a relação com Portugal pode ser útil a este e naturalmente permitir a Portugal colher benefícios da relação bilateral. Em primeiro lugar porque o laço linguístico e cultural é indissolúvel e neste aspecto, o Brasil é, aliás, um defensor mais acérrimo da língua portuguesa na cena global que o nosso próprio país. Por outro lado, o Brasil, pela sua importância crescente a nível global, não precisa, como é óbvio, de Portugal como porta de entrada para lado nenhum sendo que este é às vezes é também um dos mitos da nossa política externa. Contudo, os quadros e as empresas portuguesas podem ser plataformas muito interessantes para as empresas brasileiras na sua expansão internacional transformando-as de um dia para outro de empresas grandes, mas confinadas ao seu mercado doméstico, em empresas com um cariz mais global. Não só para África, e, sobretudo a de língua portuguesa, que é uma das prioridades da política externa do Brasil, mas igualmente para outros mercados. O exemplo da Cimpor pode ser, aliás, emblemático desta nova realidade. Quanto ao peso de Portugal e das suas empresas no Brasil, é preciso ser realista e reconhecer que o momento dos anos 90 é não é repetível. A dimensão da economia brasileira e a consequente valorização dos seus ativos tornam isso evidente. Isso não quer dizer, no entanto, que o Brasil não seja um mercado atrativo e de êxito para as empresas nacionais. Terão sucesso todas aquelas empresas que reconhecerem a enorme exigência do mercado, a sua complexidade e a consequente necessidade de foco, a sua diferença de cultura de negócios com Portugal apesar da língua comum e a necessidade de planos de capital que tenham em conta que levantar dívida no Brasil é difícil para recém-chegados, só para citar algumas verdades.
Jornal Público, 09/09/2012
Apreciei este texto que nos coloca perante uma reflexão sobre as ligações em várias vertentes, especialmente na económica entre Portugal e Brasil.
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