Sunday, December 16, 2012

E o depois da crise? - Jornal Público 16/12/12


"...é como estar num quarto sem janelas: existe só uma razão para a escuridão, mas muitas maneiras de trazer a luz"
Yan Xuetong, Ancient Chinese thoughts, modern Chinese power


De tanto se falar de crise, de dívida, do Estado, de impostos e de despesa cai no esquecimento que nenhum destes fatores é a solução para o depois da crise. Não sairá daqui a retoma da criação de riqueza nem em Portugal, nem na Europa nem nos Estados Unidos da mesma forma que a água que e utilizada para apagar um incêndio não reconstrói o edifício vitima do mesmo. Quatro anos depois da queda da Lehman Brothers, continuamos mergulhados no ciclo de encontrar os culpados, ignorando que esta crise é como um crime do expresso do oriente no plano económico. Todos tinham o motivo e tiveram a oportunidade de golpear a vítima. Os consumidores sobre-consumiram, as empresas sobre-investiram, os Estados sobre-gastaram e os bancos tudo financiaram. Mas a solução para o futuro passa por todos eles voltarem a fazer o que sempre fizeram, mas sem o "sobre" antes. Este ciclo de expiação diz-nos, contudo, alguma coisa sobre o futuro. Ele diz-nos que a competição política pelos recursos (mais) escassos das diferentes nações, vai ser de grande ferocidade e que os sistemas políticos das chamadas democracias liberais do Ocidente irão ter grande dificuldade em arbitrar os diferentes grupos de pressão e de interesses. É que num contexto de crescimento moderado e sem o colchão do aumento da dívida, não será possível satisfazer todos os setores da sociedade ao mesmo tempo como até aqui.

Desenganem-se também aqueles que pensam (e são muitos) que a presente crise representou a falência das idéias liberais, do chamado consenso de Washington, e que agora será a altura dos estados iluminados tomarem a rédea do desenvolvimento das nações, sendo o sucesso da China a comprovação deste novo axioma. É que esta teoria tem vários problemas de consistência. Em primeiro lugar, porque os excessos que levaram a 2008 nada tiveram de liberal, mas sim tiveram na base falhas humanas antigas, perenes e ausentes de ideologia como a cobiça e a miopia em face de riscos crescentes. Como resumiu há uns anos o ex-CEO do Citibank, Charles Prince, "enquanto a música tocar, temos de nos levantar e dançar". Por outro lado, a China é a China. Desde há muito séculos, que a capacidade administrativa chinesa de produzir política pública de qualidade teve sempre acima de qualquer suspeita. O problema da China sempre foi outro. Foi o problema do "mau imperador" do qual Mao foi o último exemplar. Sem limites claros ao exercício do poder, a chegada ao poder de um "mau imperador" produz danos de grande magnitude no sistema, tendo levado mesmo em alguns momentos da história a interrupção da sua existência enquanto nação independente. Exportar este iluminismo burocrático foi relativamente fácil na Ásia, como comprovam os casos de Singapura, Malásia e Coréia do Sul. Como o Brasil hoje descobre às suas custas, é bem mais difícil em países sem a mesma qualidade administrativa de base.

Europa e Estados Unidos vivem hoje problemas simétricos embora semelhantes. Um não consegue deixar de gastar, o outro não consegue começar a taxar. Em ambas as regiões parece que a solução dos problemas atuais começa e acaba em definir o raio de ação do Estado e que depois tudo se resolve. Para além de isto ser só muito parcialmente verdade, esta discussão esconde até que ponto os principais atores sociais com capacidade de mobilização foram "comprados" na Europa por via do chamado estado social (e da despesa pública) e nos Estados Unidos (dado o seu "nojo" protestante ao gasto) através das isenções fiscais que transformaram o sistema de impostos no país num imenso queijo suiço. Em ambos os casos, a vitalidade e a eficácia das democracias está em jogo se elas não forem capazes de propor soluções que tenham em mente a criação de condições de criação de prosperidade e ao invés continuarem presas a um jogo redistributivo de um bolo que mesmo que não seja minguante é pelo menos estagnado.

Mesmo que resolvido o problema acima, fica ainda por responder a parte mais importante da pergunta. Como retornar ao caminho do crescimento e da prosperidade que o mundo ocidental conheceu de forma quase ininterrupta nos últimos 80 anos. Em primeiro lugar, retomar o curso da liberalização de comércio a nível global é fundamental. Esta era uma parte importante da agenda para o crescimento saída das reuniões do G20 de 2009 mas que entretanto foi colocada em "banho maria". Foi a liberalização do comércio do pós II Guerra Mundial que mais fez pela saída da pobreza de milhões de indivíduos que hoje consomem, produzem e investem em todo o mundo sendo que existem muitos milhões mais esperando pela sua oportunidade. Como outro pilar, temos a mobilidade das pessoas, a emigração. No mundo de hoje, a competição pelo talento é dos aspetos mais fundamentais do sucesso quer ao nível de países quer ao nível das empresas. E esta é a grande vantagem do mundo dito Ocidental sobre os restantes. A sua capacidade de atrair talento de todo o mundo para estudar e trabalhar no seu seio. Ver o grau zero da política a que chegou a discussão da imigração na Europa, mas também nos Estados Unidos, é dos aspetos que mais me faz temer pelo crescimento económico potencial a longo-prazo de ambas as regiões. Para Portugal, e para deixar uma nota particular sobre o nosso país, existe aqui ainda um desafio suplementar que é transformar a sua sociedade numa de cariz bem mais meritocrático. O país como um todo vê hoje ainda o talento com desconfiança, o sucesso com inveja e a mediocridade submissa com estima. Sem mudar isto, e para utilizar uma imagem do futebol, teremos sempre, como é lógico, bons jogadores mas falharemos inevitavelmente como equipa.

Aguardo. Nem que seja por uma vela.


Monday, December 10, 2012

A thought on Chinese leadership- pm post

In the past an invader and empire, now a balancing power


" We are looking for balancing factors in the region and Japan could be a significant balancing factor", Albert del Rosario, Philippine's foreign minister

It is known that for every action, there is a reaction. Chinese assertiveness is starting to find this out as it claims more aggressively parts of the South China Sea and its neighbours turn to Japan as a countervailing power. With the Japanese going to vote soon  and the role of Japan's Self-Defence Forces an issue in the election we might be looking at a (one more!) really hot geopolitical spot in the world.

As Chinese leaders start to flex their muscles and betting on regional hegemony, it makes a sober reading the book "Ancient Chinese thought, modern Chinese power" by Daniel Bell, Yan Xuetong and Sun Zhe. By looking at the thoughts pre-Qin masters (770-476 BC and 475-221 BC) - Guanzi, Laozi, Confucius, Mencius, Mozi, Xunzi and Hanfeizi - Yan Xuetong, a leading chinese foreign policy thinker (some call him the Chinese most preeminent neocon) tries to meld them into modern foreign policy theory and give a direction to the ascent of China as a world power. And I say sober, because as Yan puts it, "...only when the international community believes that China is a more responsible state than the United States will China be able to replace the United States as the world's leading state. Whether a state is a responsible major power is not something that the state itself can decide; it is a matter of judgement by other states".

Or as Laozi said "the sea is a master of a hundred rivers only because it lies low". The rise to power is never easy as Wilhelm Germany (after discarding the prudent Bismark) discovered to its ruin. The United States rose to power by being a reluctant hegemon for 40 years and by tying itself to rules that limited its power after the second world war. One could add still that the diminished US power accelerated in the Bush years by openly flouting those same rules. So, if you want to lead there are lessons aplenty on how to do it.  

Tuesday, December 4, 2012

Dark corners - am post

Oh my god! Not those Portuguese reporters again!

Last week: Jean-Claude Juncker, President of the EuroGroup and Prime-Minister of Luxembourg, addresses the press after the last aid package to Greece, saying that "more than a year ago, we took the decision that conditions applied to one country should be applied to all. This matter is going to be dealt with in our next meeting".

3rd of December (the next meeting he was speaking about): Jean-Claude Juncker again. "I am not under the impression that the EuroGroup can apply the same conditions (of Greece) to other countries (meaning Portugal and Ireland)".

Justification of Jean-Claude Juncker for this apparent contradiction: "I was surprised by Portuguese reporters in a dark corner and in uncomfortable circumstances. I didn't quite understand the question."

Conclusion: Besides unveiling a little bit what can happen in dark corners at European press conferences, I am still trying to understand the underlying logic of this policy statement. Let me have a go. Basically it means that to be saved from falling in the same hole Greece is in, you have to be in the same hole Greece is in. Amazing logic.

Sunday, December 2, 2012

A propósito do Levante




"The Levant is an area, a dialogue and a quest."

Philip Mansel, Levant, Splendour and Catastrophe on the Mediterranean


Reparei que ainda não tinha falado sobre o Levante, afinal parte do sub-título deste blog. Este acaba por ser um post mais pessoal, pois o Levante cruza-se comigo, com a minha vida e com o meu passado de uma forma profunda e devo dizer também imprevisível.

O Levante para mim é um local de encontro, físico e espiritual. Tem a sua origem na palavra francesa despertar - levant - e ficou associado, no Ocidente, às terras onde o sol nascia, englobando aquilo que é hoje a Grécia, Turquia, Síria, Líbano e Egipto. Um nome ocidental para uma região oriental. Nada mais apropriado. O nexus de um encontro civilizacional, entre o mundo Greco-Romano e as civilizações do Oriente, sobretudo a Persa e a Otomana, e de um encontro religioso entre Cristianismo, Judaísmo e Islão. Saindo das suas raízes regionais,engloba, na minha história, mesmo todo o Mediterrâneo olhando para este mar como caldo de fusão de identidades entre as suas margens Norte e Sul. E é precisamente este que é para mim o ponto de partida para aquilo que é o espírito do Levante.

A primeira vez que tomei contato com esta realidade foi quando aos 15 anos li Leão, o Africano de Amin Maalouf. O romance sobre a vida de Joannes Leo Africanus, ou al-Hasan ibn Muhammad al-Wazzan al-Fasi em Árabe, foi uma porta que se abriu para mim sobre o mundo do Mediterrâneo dos século XV e XVI. Nascido em Granada em 1494, é obrigado a fugir para Marrocos fugindo da vaga de repressão na Península no seguimento da reconquista e o fim do Reino de Al-Andaluz, que culminaria um século e meio mais tarde com a eliminação da Península das suas populações judia e muçulmana. Como iria acontecer séculos mais tarde em Smirna (hoje Izmir) ou Alexandria, o fechar das luzes sobre estas regiões de miscigenação entre Oriente e Ocidente, Levantinas em espírito, acarrateria perdas irreparáveis para ambas as partes. Nunca mais o Islão teve pensadores ao nível de um Averroes (a quem devemos não só conhecer Aristóteles como, ironicamente, se pensarmos na imagem de hoje do Islão, a libertação da filosofia e ciência dos constrangimentos da religião) ou Ibn Khaldun e a Península perdeu para sempre um dos seus principais fatores de dinamismo económico. A vida de Al-Hasan é depois um autêntico fresco sobre o Mediterrâneo da época. Contemporâneo da queda dos Mamelucos no Egipto (essa casta de escravos guerreiros a quem o Islão deve a sua existência por via da sua resistência vitoriosa contra as invasões Mongois) a favor do Império Otomano, viaja por toda a região sendo mais tarde capturado, batizado e adotado pelo Papa Leão X.

Averroes: odiado pelos fanáticos islâmicos, esquecido no Ocidente

Este livro, e a história do seu personagem, marcaram-me profundamente. Quando vinte anos mais tarde, descobri em Cabo Verde as origens da minha família, voltei a reler o livro e senti-me um pouco parte desse período onde o Mediterrâneo não era mar mas apenas um rio raso que se atravessava facilmente de uma costa para a outra.  Como breve pausa desta história sobre o Levante, falo pois sumariamente da minha. Ao chegar a Cabo Verde em 1997 para trabalhar no Governo do país, esbarro no aeroporto do Sal com a placa de inauguração do terminal e com o nome completo do então Primeiro-Ministro, Carlos Alberto Wahnon de Carvalho Veiga que eu apenas conhecia dos jornais como Carlos Veiga. O seu apelido Wahnon levou-me a descobrir toda uma dimensão da história da minha família que desconhecia até então. Com as suas origens perdidas no tempo, de antes da conquista de Marrocos pelos Árabes, enquanto tribo judia berbere de Tetuan, a família Wahnon, como os Cohen, Levi, Benoliel e outros, sai de Marrocos no século XVIII, para Gibraltar, Cabo Verde, Portugal e o resto do mundo. Anos mais tarde, casado com uma mulher de origem marroquina e de confissão Muçulmana, não deixo de sentir, pois, um fechar de círculo sobre a minha leitura de adolescente de Leão, o Africano. 

O Levante tem um espírito, mas também uma raíz geográfica. Ficou para sempre ligado a cidades como Smirna, Salónica, Alexandria, Jaffa e Beirute. Enquanto expoentes máximos do cosmopolitismo, estas cidades precisaram sempre de um Império para as proteger. Na verdade ao longo da história, os Impérios foram mais vezes uma força de progresso e de contenção das pulsões de barbárie do ser humano do que de simplesmente tirania, como estamos hoje a descobrir amargamente com o ocaso do Império Americano. O fim dos Impérios ditado pela Primeira Guerra Mundial, e o explodir do nacionalismo em toda a sua fúria faminta, condenou estas cidades à extinção do seu caráter multicultural e por esta via as amputou da sua importância cultivada ao longo de séculos. Hoje Izmir é uma cidade turca, Salónica Grega, Jaffa israelita e Alexandria Egípcia. A diversidade destas cidades é hoje apenas vislumbrada nos seus cemitérios e nas suas campas. Só Beirute ainda resiste no fio da navalha. Jantar em Beirute na casa de uma família libanesa e passar a refeição a assistir à discussão saltitar do inglês para o francês e árabe e vice versa, é um registro (e deleite) de tempos passados tal como a competição na hora das preces entre o repicar dos sinos das igrejas e os cânticos dos muezzin. Hoje estas múltiplas identidades que eram características do Levante, são ao mesmo tempo crescentes em toda uma camada da população mundial que partilha, de Shangai a Nova Iorque, a mesma educação e base cultural, e mais vulneráveis aos fanatismos identitários que são a defesa dos muitos que se sentem fragilizados pela globalização. Na verdade, se fizermos um pequeno grande salto comparativo, hoje o espírito Levantino encontra refúgio em cidades como Nova Iorque e Londres, cidades dinâmicas, multiculturais e verdadeiros centros da elite globalizada. Para imaginar a queda (e a perda) das cidades do Levante, basta apenas imaginar como seria Nova Iorque e Londres se elas fossem apenas uma cidade norte-americana ou inglesa. Mas da mesma forma que os habitantes da corniche em Alexandria, árabes, arménios, judeus, italianos entre tantas outras origens da cidade, desconheciam o que fermentava nos subúrbios pobres da cidade, hoje, por vezes, esquecemos quanto alguns equilíbrios dos quais dependemos são igualmente frágeis. Porque cruzado com ódio à multiplicidade de identidades que derrubou o Levante, temos esse ódio ancestral ao cosmopolitismo. Da história de Sodoma e Gomorra ao romantismo alemão de Thomas Mann, sempre a cidade foi vista como centro de bastardização e corrupção de um ideário de homem puro, do campo e ligado às suas raízes ancestrais e vivendo numa sociedade idealizada virtuosa como existe no imaginário do salafismo dos fanáticos islâmicos. Judeus e arménios conheceram a perseguição nos século XIX e XX, entre outras razões, precisamente por serem protótipos perfeitos do homem da cidade, de profissão liberal e que não produz nada de real. De tão integrados que estavam na vida de muitas cidades alemãs  que muitos judeus apenas realizaram a sua condição judaica a caminho dos campos de extermínio. Não é por acaso, pois, que o ataque do 11 de Setembro teve como alvo Nova Iorque e os prédios do World Trade Center, essas verdadeiras Torres de Babel dos tempos modernos. E das consequências mais perniciosas deste evento para os Estados Unidos e a sua prosperidade, foi o fechar da sua política de imigração traduzida nas inúmeras dificuldades que hoje enfrentam cidadãos de todo o mundo para estudar e trabalhar no país. Os instrumentos da globalização carregam, pois em si, quer a possibilidade de conectar de forma indissolúvel toda uma camada da população mundial, proporcionando a troca cultural e a execução de negócios à escala global, como unificam a ligação e a força dos que a ela se opõem por todo o globo. Estas tensões conhecem também uma expressão aguda na Europa, onde a necessidade de acolher imigrantes por via da sua decadência demográfica e baixo nível de dinamismo económico convive hoje com incapacidade de transmutar a identidade étnica europeia em algo mais abrangente e universal capaz de integrar com sucesso as segundas e terceiras gerações de imigrantes. A este título, ter perdido definitivamente, a meu ver (pois hoje a elite turca já não vê no caminho europeu algo de interessante e viável), a oportunidade de trazer a Turquia para o seio da Europa é  dos erros políticos que pagaremos com juros mais altos no futuro.

History repeated

O diálogo como parte integrante do espírito do Levante não é acrítico nem passivo. Ele é crioulo porque fruto da mistura. Ele é, na sua essência, como diria João Paulo II, "not an exchange of ideas but an exchange of gifts". E esta vitalidade faz dele, não só imensamente enriquecedor e uma verdadeira mola para o progresso, como, também infinitamente frágil e vulnerável tão visível nessa história esplendorosa e trágica das cidades do Levante.