Wednesday, October 29, 2014

Obama and the Middle East






Hangover....



 "Em Minas Gerais, a política é como um crochê: não se pode dar ponto errado, sob pena de começar tudo de novo".
 Ex-Presidente Itamar Franco





 Muita discussão mas pouco se olhou para o futuro 



Agora que as eleições aqui no Brasil terminaram, está na hora de colocar no papel algumas reflexões sobre o apaixonante processo a que assisti neste imenso e contraditório país que me acolhe há 6 anos. A primeira nota é que falhei na minha previsão de vitória da oposição. Quem me conhece sabe que desde há mais de um ano sempre pensei que seria uma eleição marcada pela mudança. Mas errei. Foi apertada, decidida nos detalhes e por isso é interessante refletir sobre o porquê do resultado. A segunda nota é que este ano foi muito parecido com 2002 quando comecei a trabalhar com o Brasil. Naquela altura advoguei para muitos brasileiros incrédulos, que a vitória do Lula era fundamental para a consolidação do regime democrático no Brasil. Neste ano, embora achasse igualmente importante a alternância no poder, o país não vai terminar numa Venezuela qualquer como aqui se teme em muitos quadrantes. A semelhança de 2002 e 2014 tem a ver com os cenários apocalípticos projetados por parte da sociedade brasileira, nomeadamente a de São Paulo. O país vai viver uma situação complexa mas não trágica. E para quem gosta de política como eu, extremamente interessante de ser seguida. Feita a introdução, aqui vão as notas sem uma ordem particular:

1. Vitalidade da democracia brasileira: Tendo em conta o resultado apertado, a disputa acirrada durante a eleição e todo o ambiente polarizado que o Brasil viveu nos últimos meses, os brasileiros devem ficar orgulhosos da maneira pacífica e madura como os resultados foram aceites. É um sinal da solidez da democracia e que a distancia de vizinhos e de países até mais desenvolvidos (quem não se lembra da Flórida). Aécio perdeu por uma margem mínima e não se ouviram reclamações de recontagem dos votos, contestação ao resultado, etc. Isto é maturidade democrática. Parabéns Brasil.

2. Esquerda e direita: As reportagens de quase todos os órgãos de notícias internacionais focavam no confronto da esquerda defensora dos direitos sociais representada por Dilma e da direita liberal representada por Aécio. Ao fim da enésima peça retratando esta dicotomia em vez de irritação passei a ter pena da ignorância. É que o Brasil não tem direita. É tudo de esquerda, sendo que uns são menos à esquerda que outros. O programa social das duas chapas era quase idêntico. A disputa entre o Aécio e a Dilma no espectro político europeu seria entre o Partido Trabalhista inglês (Aécio) e o Partido Socialista francês (Dilma). Também o Aécio não representava o partido dos empresários. Representava sim uma política mais favorável às empresas. Parece uma nuance mas tem diferenças. É que infelizmente quem tem uma política mais dos empresários é sempre a esquerda mais à esquerda e aqui no Brasil não é exceção onde o PT tem um conjunto de empresários que beneficiaram do seu governo. O PSDB seria mais neutral deste ponto de vista (benéfica para os empresários como um todo mas menos propensa a afilhados) e por isso a vitória do PT foi comemorada com vigor em alguns quadrantes econômicos do país.

3. O Ohio brasileiro: Nos Estados Unidos ninguém consegue ser Presidente sem ganhar no Ohio. No Brasil esse papel é desempenhado por Minas Gerais. Este estado, um dos maiores do Brasil, é um mini Brasil, dividido entre uma parte sul desenvolvida e um norte nordestino. A divisão de Minas espelha o país e não é por acaso que a diferença entre os dois candidatos foi quase idêntica ao score nacional. Embora Aécio Neves se despeça desta eleição achando que poderia ter conduzido melhor a campanha em Minas Gerais (o que é verdade) as dificuldades que o seu discurso teve no Nordeste se reproduziram em Minas e deram a vitória ao PT neste estado e no país. E este é o cerne do problema do PSDB se quer de novo governar o país. Como última nota, a governação de Minas por Aécio Neves também tinha as suas fragilidades como fica claro no score obtido na próspera região do triângulo mineiro.

4. O PSDB: Sempre achei que como condição do PSDB ser governo outra vez teria de assumir a herança dos governos de Fernando Henrique Cardoso sem complexos de forma assertiva. Aécio teve perfeito neste papel facilitado pelo corte geracional que ele representa e pela sua ausência de responsabilidades de governo na altura. Esteve por isso à vontade para defender o que de bom estes governos trouxeram ao país. Foi por isso que já em 2010, achei que Aécio teria sido o melhor candidato do PSDB à presidência. Faltou contudo a segunda condição à qual não prestei tanta atenção durante a campanha talvez por viver na "bolha" de São Paulo. Sair do casulo de um discurso para os convertidos e saber falar para aqueles que tendo beneficiado dos governos PT não se reviam particularmente na Dilma. Falar suave e bater forte em vez do inverso que foi o que aconteceu durante a campanha. O falar suave seria fundamental para dividir os 8 anos do Lula que a maior parte dos brasileiros acha que foi um bom período do país dos 4 anos de Dilma onde muitos brasileiros têm dúvidas sobre a capacidade política e de gestão desta última. Ao ter optado por um discurso contra o PT e não contra a Dilma, Aécio acabou por unir o adversário, acordar Lula para a campanha com efeitos particularmente nefastos no Nordeste e tornar a eleição numa campanha pela intensidade dos fieis de cada um muito semelhante à última eleição de Obama (onde também beneficiou quem estava no poder). Estudos demográficos ainda davam uma vantagem, embora muito pequena, ao PT neste ciclo eleitoral (taxa de urbanização, peso Norte-Sul, classes sociais, etc..) e o fato da campanha se ter centrado na mobilização das demografias de cada um dos candidatos acabou por ser benéfica ao partido no poder. Neste particular, e paradoxalmente, o escândalo da Petrobrás, acabou por ser prejudicial dado que toldou ainda mais a visão do PSDB e o centrou num discurso anticorrupção (leia-se contra o PT) muito popular em São Paulo mas com pouca penetração no resto do país. Este discurso é fácil de conduzir pelas "vestais" que chegam à política mas muito mais difícil de ser erigido como principal bandeira por quem é poder também, já que é fácil para o adversário encontrar telhados de vidro e deixar o eleitor com a impressão de que no fundo "são todos iguais". E essa foi precisamente a linha de defesa do PT. Por último, o dia seguinte às eleições nas redes sociais demonstra que a necessidade de adaptação do discurso ainda é uma lição não totalmente compreendida pelo PSDB, nomeadamente em São Paulo. A noção que o Nordeste vota na ignorância, simplesmente comprados por programas sociais como o Bolsa Família é verdadeira só em parte. O Nordeste sempre votou no poder instalado fosse ele os coronéis ou Brasília. Isto é verdade, mas se o PSDB quer ser governo terá de aumentar o seu score na região e há vias para o fazer. Não é de certeza chamando a toda a região a Cuba do Sul e constituída por um bando de ignorantes como muita gente postou na rede. O PT usou com habilidade na região o estereótipo que São Paulo olha de cima para o resto do país e nomeadamente para o Nordeste colando a candidatura de Aécio a tal retrato. Para ganhar no futuro esta é uma armadilha onde o PSDB não se pode deixar cair.

5. O marketing político: Debater o papel dos marqueteiros políticos num resultado eleitoral é uma discussão velha e inconclusiva. Existem sempre argumentos a favor e contra da sua importância verdadeira. Contudo parece-me irrefutável que a campanha do PT e sobretudo o seu líder, João Santana, merecem um lugar nos vencedores. Eles tinham pela frente uma eleição extremamente difícil, uma candidata que está longe de ser fácil de ser trabalhada e conseguiram uma vitória tirada a ferros. Conseguiram ainda que a discussão eleitoral não se centrasse sobre os seus 4 anos de governação, mas nos 12 do PT (terreno muito mais favorável) e sobretudo na governação de Minas Gerais por Aécio Neves no segundo turno e no programa de governo de Marina Silva no primeiro. Do ponto de vista de posicionamento estratégico foi brilhante já que atacaram aquilo que eram as "fortalezas" do adversário e os colocaram na defensiva. No caso de Aécio, uma governação de Minas que era vista como sem mácula e grande porta estandarte da sua capacidade de gestão e no caso de Marina, o único candidato que durante a eleição apresentou um verdadeiro programa de governo. É óbvio que a estratégia contou com os erros dos adversários, mas qual a estratégia bem sucedida que não beneficia disso?

6. Terceira via: É irresistível em qualquer regime político polarizado, existir o sonho de uma terceira via que se possa afirmar como projeto de poder. A candidatura de Marina junta-se ao largo rol de protagonistas que em vários países pensaram que tinham reais possibilidades de poder romper o equilíbrio existente com sucesso. Foi assim nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha entre tantos outros. É um cemitério com muitas campas e outras tantas ilusões.

7. Vencedor: O PMDB. Maior partido brasileiro é incontornável para quem quer governar o país. Incapaz de ter um candidato próprio é ele sempre que garante a governabilidade do país. Meu palpite: terá importância acrescida no próximo governo da Dilma.

E para o futuro? Curiosamente a grande vantagem do governo é que as expectativas foram colocadas tão em baixo sobre a sua capacidade de governar que surpreender pela positiva não será difícil. Por outro lado, o PT também sabe que se quer ganhar em 2018 não poderá voltar a perder em São Paulo por 7 milhões de votos. Assim, teremos uma volta a uma política econômica mais ortodoxa e um nome para a Fazenda que seja bem visto pelo maior estado do país. E em 2018, teremos inevitavelmente o "play it again Sam".